terça-feira, 18 de setembro de 2012

O homem da várzea

“se não escreve, não pensa por si próprio” 

Vilém Flusser (1920-1991) 

GILFRANCISCO

   Anteriormente denominado de Campo Alegre, distrito em 1953 e elevado à categoria de cidade em 1962 foi desmembrado do município de Miguel Calmon com a denominação de Várzea do Poço, localizado no Centro Norte baiano, com uma população que não ultrapassa nove mil habitantes, distante de Salvador 331 km. Seu clima semi-árido e sujeito a passar por longos períodos de estiagem, o município está inserido na área do denominado “Polígono das Secas”, com solos tipicamente latossolos álicos ou distróficos e argissolos eutróficos, que sustentam uma vegetação tipo cerrado-caatinga. É nesse município que nasce a 11 de novembro de 1960, o poeta Jozailto Lima, filho de José Machado Lima e Judite Oliveira Lima. Vinte anos depois deixa a terra natal em busca de outros instrumentos e vive na Princesa do Sertão por dez anos, onde conclui os estudos do segundo grau e inicia o curso de Letras na UEFS e finalmente aporta no início da última década do século XX em Aracaju. 

   Conheci Jozailto Lima em 1986, já como repórter profissional da redação da Tribuna da Bahia. Na época não tivemos nenhum contato, nos cumprimentamos algumas vezes, afinal éramos colegas de redação. Talvez por questões dos horários, nunca dialogamos. Eu trabalhava pela manhã no Caderno de Cultura, cujo editor era Fernando Escaris, grande companheiro morto prematuramente aos 50 anos em 7 de março de 2003, durante viagem de lazer que fazia a bordo de um transatlântico na costa sul brasileira. Calado, sempre voltado para a execução das suas matérias, Jozailto sentava-se no final da redação, dentro do compartimento que chamávamos de fumódromo, exclusivamente para os apreciadores do tabagismo, por isso era pouco visitado. Ao seu lado estava sempre o colega Cláudio Bandeira, que viria a ser depois editor de cultura. Um chato de galocha, admirador do cinema norte-americano que detestava a filmografia nacional, não quero nem falar sobre o que ele pensava da literatura baiana. 



   Em sua trajetória poética, Jozailto Lima publicou anteriormente os livros: A Flor de bronze e Outros Poemas de Mediamor (1986); Plenespanto (1996); Retrato Diverso (2004) e finalmente Viagem na Argila (2012). Sua influencia sobre a poesia é tão ampla com difusa, não conheceu fronteiras, rompeu todas as barreiras. Jozailto Lima é um ledor de poesia, por isso tem buscado encarnar o sentido existencial da vida, às vezes tem abarcado o mundo inteiro, singularmente. 


   A poesia brasileira pode estar em crise, vive cada vez mais avessa a qualidade, os poetas andam desaparecidos ou transferiu-se para Pasárgada. Mas em Sergipe a coisa é outra, porque o poeta Jozailto Lima iluminou a noite aracajuana durante o lançamento de Viagem na Argila, incendiando as estrelas na noite nacional da poesia, no dia do nascimento do poeta Cecéu (Antônio Frederico de Castro Alves -14.03.1847). O farto banquete foi servido às 19 horas, o prato da noite estava convidativo, os convidados presentes estavam famintos há muito jejuava poesia. Foram quatrocentos e vinte pratos servidos, varou madrugada adentro. O Museu da Gente Sergipana estava transbordando, tinha gente saindo pelo ladrão. 

   Dividido em cinco capítulos básicos: olho de sabre; peixe no deserto; pedra da memória; epístola tardia aos papagaios cegos; um ramo de soda cáustica de antoninha. Com prefácio de Ronaldson Santos e abas dos poetas Jeová Santana e Hunald Alencar. São 142 poemas refletidos na própria imagem do poeta, visões de espelho: infância, juventude e fase adulta do homem reinventando o mundo, são poemas perdidos e reencontrados. O homem da Várzea do Poço reaparece em livro depois de oito anos de silêncio. E nesse silencioso exílio, o poeta escava dentro de si mesmo e faz de si mesmo o instrumento da sua plena voz, em que as palavras se mostram e se ocultam. Jozailto Lima é um desses poetas perseguidor de palavras, um poeta que não tem medo da palavra, mas, antes, um fascínio feito de atração e repulsão. 


   Sem sombra de dúvida, Viagem na Argila enriquece a biografia do poeta da Várzea, livro que se reveste num autêntico passaporte para se viajar no eldorado da poesia sergipana. Apesar da publicação de três artigos se destacarem na imprensa local, pela grande afinidade de idéias e pelo prestígio dos nomes: Nino Karva, Estácio Bahia Guimarães e Alex Nascimento e Rian Santos, pelo elenco citado podemos vislumbrar a repercussão que certamente obteve entre os intelectuais sergipanos essa obra. Daí o prazer que sua leitura propiciará há quantos participaram da arrojada Viagem, tocada de puro lirismo para se gostar dela. Jozailto Lima, a rigor, quis ser apenas o poeta da viagem e atingiu plenamente o seu objetivo, não somente pela experiência de jornalista, mas também pelo domínio dos instrumentos linguísticos do ofício de escritor. 

   Em pleno florescimento, sua obra vem sendo sistematicamente saudada por Jeová Santana, Antônio Carlos Viana, Antônio Brasileiro, Célio Nunes, Léo Mittaraquis, Luiz Eduardo Costa, Ronaldson Santos, além de contar com o forte referendum de nomes como Luciano Correia e Nino Karva. O poeta varzeapocense está mais amadurecido, renovado, profundo e versátil, apresentando uma linguagem forte, ousada, como uma adaga beduína, que seguramente a rapidez da lâmina possa ter esboçado alguma contribuição para o entendimento poético, entre os jovens leitores. Uma poesia que restabelece o diálogo com o passado, mas também crer em cousas como verdade subjetiva, nos símbolos intemporais e na palavra poética. 

   O próprio poeta tem consciência de que a poesia é a arte da linguagem humana, e desta forma percorre linhas desiguais. É um artífice do verso, da música verbal, da imagem, de todos os recursos formais da ars poética. O poeta Jozailto Lima dispensa pontuação, aqui estão reunidos alguns dos mais belos poemas da sua produção, em pleno domínio de seu talento, abrindo as comportas da poesia moderna, inovadora e eterna. Vida longa para a poesia, porque só uma grande poesia, um grande poeta ou uma grande revolução irradia a vida humana. 

A Poesia não precisa de alma 
não creio nos que fazem poesia 
com a alma. 

basta a poesia 
verbo, palavra: 
esta é a sua carne 
- e quanto mais 
carne verbal, 
mais ela se delicia 
e se acalma. 
deixai, então, 
em paz a alma. 

Gilfrancisco Santos: 
Jornalista, professor universitário, Diretor do Departamento de Imprensa da ASI, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe e do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. 

gilfrancisco.santos@gmail.com

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