terça-feira, 18 de setembro de 2012

Billy Blanco, cronista do samba

   Billy Blanco é juntamente com Dick Farney, Lucio Alves, Dolores Duran e outros um dos precursores da Bossa Nova, chegando também a ser um participante da mesma quando de suas parcerias com Tom Jobim e Baden Powell para citar alguns. Lembro-me do carinho com que corrigia minhas letras, eu ainda iniciante, em meados dos anos 50. Billy é não só um dos maiores letristas da música popular brasileira como também melodista e sambista muito fino. Até hoje me deve uma letra. 

Carlos Lyra 

   Nesses meus sessenta anos, grande parte deles dedicados às atividades jornalísticas, a boemia etílica e a memória cultural humana, topei de frente pro crime, com tudo que encontrei pelo caminho. Conheci todo tipo de gente, da burguesia à escória, tive alguns filhos, estive em muitas terras desconhecidas e abandonadas pelo poder público, uma penca de casamentos ou ajuntamentos, tive inúmeras amantes que não guardei sequer seus nomes, nem a ninfa que mambembando nos pequenos circos do interior baiano, escapou ao inquisitorial desejo, foi por acaso que a encontrei cantando através do aquário da PRA-4, dos Diários Associados. Freqüentei nas terras santas da Bahia variadas casas de tolerância, estive em transe em terreiros de candomblés de Mãe Hilda, Mãe Stela, Mãe Menininha do Gantois: jêje (daomeanos), nagô (ioruba e compostos) e bantos (angola, congo e compostos) desde a Suburbana até a Mata Escura passando pelo Cabula, São Gonçalo, Alto do Gantois, Engenho Velho da Federação, por noites inteiras a embriagar-me nos braços de muitas putas da Ladeira da Montanha, da Misericórdia do bruxo Godofredo Filho, Buraco da Vovó, Taboão, Ladeira da Preguiça, de Gil para Elis (Esse ladeira, que ladeira é essa?) estive até no Julião, barra pesadíssima, mas tudo são coisas da vida como bem disse o velho Billy Blanco. E nessa caminhada fiz muitas amizades e camaradagem, e entre elas o autor de Camelot. 

   Conheci Billy em dezembro de 1976 em casa do poeta e compositor Ildásio Tavares (1940-2011) de quem secretariei por algum tempo. Sujeito de temperamento difícil, explosivo, depressivo, não conseguia conservar amizades por longo tempo, por isso estava sempre só ou em grupo aprontado com suas farpas. Billy uma figura finíssima, elegância, fala mansa, gestos finos, jeito de malandro carioca, não o malandro do morro, mas do asfalto, daqueles que freqüenta escola de bacana, de grã fino. Billy tinha um bom papo, conhecia bem as coisas da Bahia e ela está presente em seus sambas-afros e eu que já o admirava desde os tempos de Dolores Duran cantora e compositora que deixou uma obra de influência marcante para a MPB, sem dúvida a melhor intérprete das suas canções. Mesmo com uma voz pequena, Billy canta admiravelmente bem. Canta as coisas mais simples do cotidiano, por isso faz parte da própria história e cultura do nosso país. 

   A casa da praia de Ildásio Tavares ficava próximo ao Farol de Itapoã, quase enfrente a de Vinicius de Moraes, por isso estávamos sempre visitando a Gesse e o poetinha. Era uma casa muito movimentada, com dezenas de convidados nos finais de semana. Fui reencontrar Billy em 31 de outubro de 2008 na Academia Brasileira de Letras (Rio de Janeiro), quando recebi o Prêmio Veríssimo de Mello, na categoria Pesquisa e Biobibliografia, pela União Brasileira de Escritores – UBE, com o livro Musa Capenga, poemas de Edison Carneiro. Presentes ao evento vários amigos, Ledo Ivo, Gilberto Mendonça Telles, Telênia Hill, entre outros convidados. 

   Como eu já havia marcado uma entrevista com Ferreira Gullar pela manhã em sua residência e na parte da tarde tinha compromisso agendado com Gilberto Mendonça Telles, aproveitei a oportunidade e iniciei a conversa com Billy ali mesmo, num cantinho sossegado da Casa centenária de Machado de Assis, mas fomos interrompidos por sua sobrinha, que o acompanhava e justificou que ele teria que viajar à noite. Sem alternativa, aceitei o argumento e ficamos de combinar em outra ocasião. 

Reconhecimento 

   William Blanco Abrunhosa Trindade nasceu em 8 de maio de 1924 em Belém (PA), desde os dez anos escreve poesia. Decidiu estudar arquitetura em São Paulo, em 1946, onde iniciou sua carreira de compositor. Dois anos depois se muda para o Rio de Janeiro, onde forma-se em 1950 e sua carreira ganhou novo impulso e viveu 65 dos seus 88 anos, firmando-se como cronista-sambista. Billy sempre gostou de tocar e compor, mas nos 50, já morando no Rio, que se destacou por seus sambas e letras, tornando-se um dos precursores da bossa nova. Freqüentando o meio musical, conhece Dolores Duran que o apresentou a Lúcio Alves, Dick Farney, Silvio Caldas, Isaura Garcia, Elizete Cardoso. Billy compôs para Dolores, sua mulher, várias canções que fizeram sucessos na época, como Estatuto de Boite; Pano Legal; Camelot; Feiúra não é nada, Viva meu samba e outrosenviar por e-mail 

   Foi nesta época que gravou suas primeiras músicas, surpreendendo por seu estilo de samba sincopado, teve como seu primeiro sucesso, Estatutos da Gafieira, gravado por Inezita Barroso em 1954 e regravado por vários cantores. Entre seus sucessos estão: Tereza da praia; O morro; Mocinho bonito; Viva meu samba; Pra viver; Sinfonia paulista; Sinfonia do Rio de Janeiro. Billy Blanco compôs mais de 500 canções, algumas gravadas por cantores como João Gilberto, Elis Regina, Dick Farney, Lúcio Alves, Nora Ney e Dolores Duran. Billy também fez parcerias com grandes nomes da MPB, Tom Jobim, Baden Powel, Sebastião Tapajós, entre outros. 

Morte 

   O cantor e compositor Billy Blanco morreu na manhã do dia 8 de julho de 2011 as 7 h, aos 87 anos no Rio de Janeiro, vítima de parada cardíaca. Um dos nomes mais importantes da Bossa Nova, ele estava internado na UTI devido a um AVC desde 02 de outubro de 2010 no Hospital Pan-Americano, no bairro da Tijuca. Em 1995, o compositor já havia sofrido um infarto. Billy seu neologismo está na moda, Sofrência (sofrer com paciência), 

o que dá pra ri dá pra chorar 

questão só de peso e medida... 

   Uma das obras mais importantes de Blanco é a "Sinfonia Paulistana", série de 15 músicas em homenagem a São Paulo que levou dez anos para ficar pronta, em 1974. Em 1996 lançou o livro "Tirando de Letra e Música", uma autobiografia que incluiu letras de suas músicas. Mas já se passaram 2 anos de sua morte, apesar da sua contribuição a MPB, mostrar presença em seus sambas a ironia e o bom humor carioca, muito ao estilo do poeta da Vila, Noel Rosa, e ter sido o primeiro letrista de Baden Pawell em Samba Triste (LP Baden Powell à vontade – Elenco, 1967), Billy continua ausente dos compêndios: Balanço da Bossa e outras Bossas, Augusto de Campos (1974); Pequena História da Música Popular, José Ramos Tinhorão (1974); Música Popular Brasileira, José Eduardo Homem de Melo (1976); A Canção Brasileira - erudita, folclórica, popular, Vasco Mariz (1977). 

   É velho Billy, aquela nossa conversa interrompida em 2008 na Academia Brasileira de Letras, por causa daquele maldito ou bendito vôo inexplicável, não teve importância, qualquer dia desses continuaremos o papo, num desses botecos celestial, com ou sem a presença daquele mocinho bonito, sem samba triste, mas o piston de gafieira é indispensável, só pra lembrar os tempos da Estudantina. 

Sauré! 

Piston de Gafieira 

Na gafieira
Segue o baile calmamente
Com muita gente dando volta no salão
Tudo vai bem
Mas, eis, porém que de repente
Um pé subiu
E alguém de cara foi ao chão
Não é que o Doca
Um crioulo comportado
Ficou tarado quando viu a Dagmar
Toda soltinha
Dentro de um vestido-saco
Tendo ao lado um cara fraco
E foi tirá-la pra dançar?
O moço era faixa preta, simplesmente
E fez o Doca rebolar sem bambolê
A porta fecha enquanto dura o vai-não-vai
Quem está fora não entra
Quem está dentro não sai
Mas a orquestra sempre toma providência
Tocando alto pra polícia não manjar
E nessa altura
Como parte da rotina
O piston tira a surdina
E põe as coisas no lugar 

GILFRANCISCO: jornalista, professor universitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe e do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e Diretor de Imprensa da Associação Sergipana de Imprensa. 


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