segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Santo Souza: Pássaro de Pedra e Sono, na transversal do tempo

A fértil criação poética de Santo Souza, hoje aos noventa e três anos, com uma lucidez que nos impressiona foi traduzida em dezesseis livros, alguns reeditados e um único traduzido para o espanhol. Nosso poeta é provavelmente o mais antigo militante da arte poética em Sergipe, e continua sonhando... Porque viver é difícil pra todo mundo. 
Gilfrancisco


*** 
Sabemos que um poeta não nasce poeta. Ele se faz ao longo de sua obra, aprimorada na luta diuturna com as palavras e na madureza do homem e das técnicas composicionais. Quando saiu Pássaro de Pedra e Sono (1964), o poeta Santo Souza, trazia consigo quatro obras publicadas: Cidade Subterrânea (1953), Caderno de Elegias (1954), Relíquias (1955), Ode Órfica (1956) e uma fortuna crítica invejável a qualquer poeta da terra assinada pelos melhores jornalistas da época: Luiz da Câmara Cascudo (RN), Nélson de Araújo (BA), Sérgio Milliet (SP), Valdemar Cavalcante (RJ), Renato Bonfim (RJ) e Álvaro Pinto (RJ). 

Pássaro de Pedra e Sono representa um momento único de intenso lirismo, onde encontramos o espírito mais fundamente criador da poesia de Santo Souza, sobre o rumo dos homens. Qual pássaro em vôos da linguagem, totalmente livre, o poeta nos remete a espaço, longos vôos. Pedra é poder, rigidez e Sono justiça, a bem aventurança, conservação da reatividade aos estímulos externos. Pássaro, Pedra e Sono são expressões das dimensões humanas. Com essa publicação sua poesia ganha um novo corpo uma nova aura, agora na revelação da metalingüística do poeta que experimenta outras linguagens. Sua poesia social, agudamente original, capaz de condensar todo o destino do homem, retrata suas próprias emoções e não existiria sem a riqueza e o brilho da poesia de José Sampaio (1914-1956), e do aracajuano Enoch Santiago Filho (1919-1945) com seu lirismo espontâneo, poderoso. A busca do consolo para essa poesia confessional, a projeta do âmbito pessoal e limitado, dando-lhe um caráter universalizante. O poeta Santo Souza, resistiu à pressão, conservou-se diferente de todos, não perdeu nunca a esperança de um mundo melhor em que lágrimas se transformarem em sementes capazes de rebentarem na vida da nova geração. 

O livro, Pássaro de Pedro e Sono produzido lentamente sob forte pressão do tempo, interrogam a existência, o homem e o mundo, mostrando-lhes os verdadeiros caminhos para se chegar à utópica humanidade, onde o poeta ressalta o fato de que sua criatividade poética convoca o leitor a segui-lo, numa atitude reveladora do percurso percorrido na busca da palavra poética. Por exemplo, Pode-se observar através da própria estrutura do poema Decreto-Lei nº13, o dizer revela o mundo, não o seu mundo interior, mas um mundo real captado por sua lente durante o processo de criação, ultrapassando seculares barreiras. 

Depois de ter sido anunciado na imprensa local desde o início do mês de janeiro o lançamento do livro, Pássaro de Pedra e Sono: “o poeta Santo Souza esta aguardando apenas que o Movimento Cultural de Sergipe marca a data pra o lançamento de seu próximo livro, intitulado Pássaro de Pedra e Sono, já no prelo, na Livraria Regina.” 1 Finalmente a tão esperada manhã de autógrafos aconteceu às 10 horas do dia 25 (sábado) de janeiro de 1964, na Livraria Regina à Rua João Pessoa nº137 que através da qualidade gráfica de suas publicações marca o cenário cultural de Aracaju. A edição era mais uma realização do Movimento Cultural de Sergipe, dirigido pelo escritor José Augusto Garcez. 2 



Pássaro de Pedra e Sono, Aracaju, 105 p., 1964 (capa de Lev Smarcevski; Desenhos de Jenner Augusto, Lênio Braga, Leonardo Alencar), Edição do Movimento Cultural de Sergipe: 3 “A volta do autor de Ode Órfica ao mundo editorial sergipano será abrilhantada com um coquetel, oferecido pela Divisão de Difusão Cultural da Prefeitura de Aracaju, a realizar-se às dez horas de sábado.” 4 

A Rádio Jornal de Sergipe esteve presente no dia do lançamento e entrevistou vários intelectuais sergipanos, entre eles falou o professor e cronista Garcia Moreno (1910-1976), o jornalista Ezequiel Monteiro e o crítico e poeta Alberto Carvalho (1932-2002), que em primeira mão fez comentários sobre o livro Pássaro de Pedra e Sono. Vejamos as palavras de Garcia Moreno: 

“È com muita alegria que me encontro presente à esta manhã de autógrafos em torno desse povo. Na minha opinião já manifestada de maneira mais amiga e escandalosa, é o maior poeta de Sergipe, lança seu último livro Pássaro de Pedra e Sono.” 5 

Em seguida falou Ezequiel: 

“Antes de mais nada meus cumprimentos aos ouvintes da Rádio Jornal e meus agradecimentos do entrevistado ao repórter Antônio Lopes, meu prezado e querido amigo pela oportunidade que me dá neste instante, consternar a minha grande satisfação e a minha grande alegria, pelo fato de está assistindo ao lançamento deste novo livro do poeta Santo Souza, Pássaro de Pedra e Sono. 

Numa opinião despretensiosa, considero o lançamento do livro novo de Santo Souza um conhecimento significativo não só para a cultura sergipana, como para o próprio processo da literatura brasileira, onde a contribuição de Santo Souza aparece com uma involumia, todo original quer seja, a mínima contribuição para o simbolismo no norte e nordeste do país. É preciso que um especialista, um crítico de poesia como é o caso do nosso ilustre e companheiro Alberto Carvalho. É possível que ele conheça outro caso no norte do país, mas eu como leigo desconheço outra contribuição dessa natureza. Além de que a posição de Santo Souza, seguindo informações que obtive acerca desse novo livro, está oferecendo uma passagem, uma evolução para uma poesia, para visitante. Considero isso também um dado altamente auspicioso.” 6 

E finalmente falou Alberto Carvalho: 

“Senhores ouvintes da Rádio Jornal de Sergipe: tenho a dizer, primeiramente, que sou um crítico aposentado, ultimamente. Mas isso não impede que diga que, sobre o livro de Santo Souza, ainda não lido porque afinal de contas estamos no lançamento e eu não tive o prazer de lê-lo no original, tenho a dizer apenas que Santo Souza se constitui na maior voz poética de Sergipe, isso sem favor nenhum, mesmo porque eu sou até suspeito de falar do livro, porque tive uma surpresa hoje pela manhã: eu li (agradabilíssima, como está dizendo aqui o poeta, Clodoaldo Alencar) que o livro também está oferecido a minha pessoa. De maneira que, mesmo sob esta suspeita que não invalida o meu depoimento, tenha a dizer que espero, com a certeza que tenho que Santo Souza ao lançar esse livro se impôs mais uma vez como a maior voz poética de Sergipe. Esperamos dar uma opinião mais adiante, se para tanto aparecer alguma página em que eu possa voltar a escrever.” 7 

Devido à repressão política, a partir do movimento militar de 64 que censurou centenas de livros, sob os mais variados pretextos, a receptividade crítica de Pássaro de Pedra e Sono é mínima, salvo algumas pequenas notas no decorrer da semana do seu lançamento: 

“O Movimento Cultural de Sergipe, após vários meses inativo reiniciou suas atividades editoriais na manhã de ontem, aliás com mérito. Lançou novo livro de José Santo Souza, um dos mais comentados da moderna poesia sergipana, e figura respeitável nos círculos intelectuais do País. Pássaro de Pedra e Sono tirou do ostracismo o Movimento de José Augusto Garcez, movimento esse que lançou no mundo literário o próprio Santo Souza.” 8 

Um mês após o lançamento aparece na Gazeta de Sergipe o artigo Mais um Pássaro de Pedra e Sono, apesar de não está assinado é de autoria de Hunald Alencar onde cita alguns poetas bem sucedidos a nível internacional: Maiakóvski, Neruda, Nicolás Guillén e Brecht, no Brasil João Cabral de Melo Neto, Moacyr Félix, Paulo Mendes Campos e Vinícius de Moraes, para justificar sua semelhança no processo criativo de Santo Souza: “assemelha-se ao desses poetas notadamente em João Cabral de Mello Neto, pela mais integral recriação popular, não só pelas imagens como pela metrificação da literatura de cordel, enfim motivos do artista popular.” 9 

Em março, Pássaro de Pedra e Sono foi censurado pela ditadura militar e retirado das prateleiras da Livraria Regina e exposto pela força pública como livro subversivo. Tivemos notícias através dos jornais da época, que Gizelda Moraes, apresentada em seu livro de estréia, Rosa do Tempo (1958) por Santo Souza que disse: “mal acorda para a vida e já preocupada com o eterno problema do homem em face do universo.” Pois bem essa discípula do poeta escreveu sobre o livro no número 2 do Boletim Literário da Prefeitura. 10 

Somente em outubro vai aparecer uma crítica significativa, Pássaro de Pedra e Sono, na coluna O Vitral e o Espelho, dirigido pelo poeta Alberto Carvalho: 

“Pássaro de Pedra e Sono, anunciado havia algum tempo foi, em parte, uma obra feita no dia-a-dia do poeta. Explico: mesmo durante a impressão do seu livro, Santo Sousa foi refundindo, criando e incluindo novos poemas acicatados pelo momento histórico em que vive, neste tempo que todos procuramos tornar em tempo brasileiro. Assim, o livro foi engravidando e, nas dores de cabeça dos editores, surgiu o poeta em nova linha.” 11 

Pássaro de Pedra e Sono, além da repercussão em Sergipe entre os intelectuais, o livro repercutiu nacionalmente, recebendo crítica de Walmir Ayala (Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 24.04.64) 12 e José Condé (Correio da Manhã, Rio de Janeiro. 28 e 29.03.64). Um ano após o lançamento, o poeta Hunald Alencar em sua coluna Arte do Sergipe-Jornal registra a publicação de um artigo de Walmir Ayala no Correio da Manhã do Rio de Janeiro, edição de 1º de janeiro do corrente mês, sobre o livro de Santo Souza, Pássaro de Pedra e Sono, como um dos melhores livros do ano: “De Aracaju recebemos um livro de Santo Souza, um poeta surpreendente pelo canto compacto de apelo social. Título do livro, Pássaro de Pedra e Sono. Uma experiência que se externa sem ludibriar, que convence pela sinceridade, que não repudia a beleza.” 13 

Pássaro de Pedra e Sono, composto por vinte dois poemas com temática universal marcada por aqueles dias de tormentas, como Macumba, Paus de arara, João o Semeador, Ciranda, Noite de Natal, Decreto-Lei nº13, Canção de Condenados Canção para os Famintos, qualquer um desses poemas poderiam está presente num dos três volumes de Violão de Rua (1962/1963), Cadernos do Povo Brasileiro, poemas para a liberdade, publicados pela Editora Civilização Brasileira, uma poesia humanista, de episódios da vida política brasileira. Vários participantes da antologia se projetaram nacionalmente: José Carlos Capinan. Moacyr Felix, Geir Campos, Jacinta Passos, Affonso Romano de Sant’ana, Ferreira Gullar e outros. 

Vemos bem o que nem sempre é muito claro em seus livros anteriores, não escapa a regra. Santo Souza vive num tempo podre de podres poderes, tempos de guerra: Renúncia de Jânio Quadro, posse de João Goulart, greves, mortes, prisões, Volantes do CPC (Centro Popular de Cultura), soldados nas ruas. A Liga Camponesa de Francisco Julião, os comunistas em favor da reforma agrária, desagradando aos representantes dos interesses dos grandes proprietários de terras. A atmosfera, portanto, era de confronto. 

O livro sinaliza uma busca, uma necessidade o desejo de encontrar a serenidade, a Pedra primeira para o conhecimento pleno da sua revelação, do exercício do viver que aprende o mundo e o traduz em poesia. Ou seja, Pássaro de Pedra e Sono é o grito da terra, uma amostra de sua trepidação diante da vida e da poesia. Há que se observar, segundo José Augusto Garcez que o livro “é um grito dentro da vastidão deste cenário. Um grito para todos os ouvidos, espécie de clamor endereçado a todas as consciências. Há nele o cheiro da terra que serviu de ponto de partida na sua elaboração. O gosto amargo da paisagem onde seus homens se movem sem, contudo, abdicar à linha demarcativa daquele universalismo que tem sido a tônica mais alta na poesia do autor de Ode Órfica.” 14 

Autor de diversos títulos consagrados, nome reconhecido por todos os que se interessam por poesia, Santo Souza é um poeta voltado para as indagações e as paixões mais próprias das oficinas do fazer poético. Ele próprio é quem diz: 

Antes, mal reuníamos o susto 
com que o desviver nos amealha. 

Ponte armada entre o agora e o amanhã, 
o sono transportava o nosso esforço 
ao esquecimento, nos repartia 
o sono e a calma, em paz e liberdade. 

A boa imagem da sua extensa e importante obra, toda ela saudada pela comunidade intelectual, tingida dos tons fortes das lembranças de uma Riachuelo dos tempos dos canaviais. O livro retoma o velho tema, sempre novo, costurando com uma poesia aparentemente casual e despretensiosa, mas na verdade intencional. Pássaro de Pedra e Sono é um hino de louvor ao homem, no confronto com os poderosos mortais. A força da poesia santosouzeana está sempre em desobediência, considera-se sempre um aprendiz, porque esta é a sua palavra de ordem, palavra de honra. Portanto, Santo Souza se inclui sem a menor dúvida entre as vozes mais coerentes e merecedoras de respeito e atenção da nossa contemporaneidade, quer pela convulsiva beleza de sua poesia, quer pelo humanismo do cidadão do mundo. 15 

O Decreto-Lei nº 13 de Santo Souza, teria inspirado os 

Estatutos do Homem de Thiago de Mello? 

Escrito em 13 de maio de 1962, o poema Decreto-Lei nº13 foi publicado no livro Pássaro de Pedra e Sono, em 1964, que se encontra dividido em quatro artigos e um parágrafo. 16 

Um fato curioso aconteceu dois ou três dias após o lançamento de Pássaro de Pedra e Sono, quando Santo Souza foi procurado em sua residência por Ester sua vizinha, uma jovem ligada aos movimentos sociais da época que desejava outro exemplar do livro para presentear um companheiro, segundo ela um poeta do sul do país que se encontrava em Aracaju e havia lido alguns dos poemas e ficado muito impressionado pela proposta apresentada. Pois bem, esse poeta dias depois seguira para Pernambuco, estava envolvido no movimento das ligas camponesas de Francisco Julião, levando consigo um exemplar de Pássaro de Pedra e Sono. Até aquele momento Santo Souza desconhecido o nome daquele anônimo poeta. Tempos depois lendo os Estatutos do Homem, de Thiago de Mello, percebeu que seu poema Decreto-Lei nº13, escrito em 1962 que se encontra no livro Pássaro de Pedra e Sono, publicado em janeiro de 1964, havia influenciado ou induzido o poeta amazonense a escrever os Estatutos do Homem, poema mundialmente conhecido. Este depoimento, revelado por Santo Souza em várias ocasiões em que estivemos juntos, sempre me deixou intrigado. 17 Na qualidade de pesquisador não que desacreditasse em Santo Souza, mas era preciso localizar o registro da passagem de Thiago de Mello em Aracaju. Retomei as pesquisas em periódicos da época na esperança de consegui nas colunas literárias, políticas ou sociais, alguma informação, ao mesmo tempo em que enviei correspondência ao poeta amazonense solicitando alguns esclarecimentos sobre sua passagem por Aracaju. 

O poema Os Estatutos do Homem, 18 de Thiago de Mello, escrito em Santiago do Chile, abril de 1964 e publicado no livro Faz Escuro mais eu Canto, Editora Civilização Brasileira, 1965. 19 O Prefácio escrito em espanhol pelo poeta chileno Pablo Neruda, data de março de 1965: Desde que Thiago llegó a Chile..., era o texto de apresentação que foi lido na homenagem prestada ao poeta brasileiro Thiago de Mello pelos intelectuais, artistas e amigos chilenos por ocasião do seu afastamento do posto de adido cultural do Brasil no Chile. 

Os Estatutos do Homem é uma obra de arte, um livro em que a poesia se apresenta simples e profunda, para marcar o compasso do dia-a-dia, em tempos tão urgentes. Thiago de Mello se afirma pelo trato da linguagem moderna, onde o poeta declara sua fé na arte e na poesia, no homem, no amor e na ternura, com sua poesia de forte expressão lírica, moderna, ágil e dinâmica. 

Segundo Thiago de Mello, o poema Estatutos do Homem foi escrito em 31 de abril de 1964, onde o autor chama à atenção do leitor para os valores simples da natureza humana. Este é seu poema mais conhecido e foi traduzido para mais de 30 idiomas. Thiago de Mello afirma que os Estatutos do Homem “não me pertencem mais. Pertencem a tantas esperanças. Vou atender de maneira muito singular o pedido do Altino. Eu não gosto e dizer esse poema. Ele me comove. Não sei se terei mais dias para cumprir essa esperança de ser o homem que eu canto. Altino, eu espero, quando te façam um pedido com a naturalidade que tu fizestes, que tu atendas. Tá bem? Eu não direi todo o poema. Eu direi algumas estrofes.” 20 

Além de editado separadamente em livro, gravado a fogo sobre couro, encontrados em feiras de arte popular de vários países da América, em poster, transformado em ballet e em Cantata pelo cantor erudito belga Peter Janssens foi lançado em 1977 em oito universidades alemãs. Em novembro de 1985, durante visita com Hélio Dutra a Casa de las Americas, em Habana, adquirir o LP Thiago de Mello – Poesía, editado pelo Centro de Investigaciones Literarias, coleção Palavra de esta America nº44 (1980), e entre os poemas estava Los Estatutos del Hombre e recentemente consegui por intermédio do amigo radialista Paulo Correa o LP Thiago de Mello – Estatutos do Homem & Poemas Inéditos, produzido pelo Instituto Alberione para o Selo CSP Records (SP), com trilha sonora de Alexandre Manoel Thiago de Mello (Manduku), 1989. 

Não sendo possível localizar nenhum registro nas coleções de periódicos sergipanos do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe e da Biblioteca Epifânio Dória, referente à estada do poeta Thiago de Mello em nossa capital, o que não anula a afirmativa de Santo Souza, nem ter recebido a correspondência tão esperada de Thiago, informando sobre sua passagem por Aracaju, em janeiro de 1964. Por este motivo, reproduzimos no final do ensaio, o poema Decreto Lei nº13, do poeta sergipano, Santo Souza, para avaliação do leitor. 

Biografia 

O poeta Santo Souza, tão admirado por nós sergipanos, com suas edições de circulação local e nacionalmente injustamente esquecido pela crítica, felizmente teve sua biografia e alguns poemas recentemente publicados pela professora, Doutora em Literatura Comparada, Marlene Hernandez Leites, num dos quatros volumes da Literatura e Afrodescendência no Brasil: antologia crítica. 21 Nessa oportuníssima consideração da professora Marlene, ao comentar em seu texto a quarta publicação do poeta, afirma que: “Pássaro de Pedra e Sono, além de enunciar a repressão política, pode ser considerado um clamo ao despertar de consciências, e visam tanto aos políticos que dirigem nosso país como aqueles que vivem e não enxergam a miséria e a fome.” 22 

José Santo Souza nasceu a 27 de janeiro de 1919 em Riachuelo (SE), filho de Manoel Raimundo Vasconcelos e Hermínia Araújo, teve uma infância sofrida, devido à origem familiar humilde. Freqüentou a escola primária da professora Maroca Marafuz, encerrando seu ciclo escolar. Num dia de feira sua mãe foi surpreendida pela professora, lhe avisando que o menino não poderia ser matriculado no próximo ano, esta “grande” sabia demais, estava pronto e como professora não tinha mais nada para ensinar-lhe. Dotado de uma inteligência privilegiada, Santo Souza aprendeu a ler muito cedo, através das bulas (prospectos) que vinham em quatro idiomas: francês, italiano, inglês, espanhol, e nos almanaques, encontrados com facilidade nas farmácias da época. Autodidata, poeta órfico, começou a escrever muito jovem, aos oito anos incursionando pelo mundo das letras e já escrevia um jornal para a escola em que estudava. Aos onze anos, Santo Souza escreveu um poema que o impressiona até hoje: 

A origem do amor é um fanal 
Que ilumina a fonte de nossa amargura 
Tornando nosso coração cheio de ternura 
Semelhante à luz espiritual 

Aos treze anos começa a trabalhar na Farmácia do tio Francisco Vasconcelos Prado. Em 1937 muda-se para Aracaju e trabalha como prático numa farmácia. Três anos depois, casa-se com d. Maria Ana, com quem teve oito filhos, época em que recebe orientação do professor José Franklin, orientando a leitura dos clássicos da literatura portuguesa e ele começa com Os Lusíadas, de Camões, passando em seguida para os gregos:Platão, Sócrates, Aristóteles, Esquilo, passando por Shakespeare, Dante Alligiere e por fim chega aos românticos da literatura brasileira. Este homem culto era capaz de ler grego, espanhol, francês, italiano e logo se integra aos movimentos culturais da cidade. 

Em 1952 Santo Souza passa a trabalhar no Banco do Comércio, somente seis anos depois ingressaria no serviço público trabalhando na Previdência Social, de onde é aposentado. Santo Souza redigiu, de 1953 a 1966, a Crônica da Cidade apresentada diariamente nas: Rádio Liberdade, Difusora e Jornal de Sergipe. Colaborou nas principais Revistas e Jornais de Sergipe. Membro da Academia Sergipana de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe e da Associação Sergipana de Imprensa – ASI. 

Publicações 

Cidade Subterrânea -1953 
Caderno de Elegias – 1954 
Relíquias – 1955 
Ode Órfica (1955/1956/1968) 
Pássaro de Pedra e Sono – 1964 
8 Poemas Densos – com Hunald Alencar, Alberto Carvalho e Renato Nunes – 1965 
Concerto e Arquitetura – 1974 
Pentáculo do Medo – 1980 
A Ode e o Medo – 1988 
Obra Escolhida – 1989 
Âncoras de Argo – 1994 
A Construção do Espanto – 1998 
Antologia Poética – CD – 1998 
Roda de Fog e Lágrimas – 2004 
Réquiem para Orfeu – 2005 
Ésquilo na Tormenta – 2006 
Vultos & Vozes de Sergipe – 06 - Antologia 
Deus Ensangüentado - 2010 

Notas 

1.Aracaju. Gazeta de Sergipe, 19 de fevereiro, 1964. 
2. Segundo informações do escritor Jackson da Silva Lima, o livro Pássaro de Pedra e Sono já se encontrava impresso desde novembro de 1963, apesar de constar no frontispício o ano de 1964. 
3. Pássaro de Pedro e Sono, Santo Souza. 2ª edição, Sociedade Editorial de Sergipe, 2002, 75 p. (capa Jenner Augusto), apresentação de Luiz Antonio Barreto: 
4. Aracaju. Gazeta de Sergipe, 25 de janeiro, 1964. 
5. Vultos & Vozes de Sergipe – 05, Santo Souza CD, faixa 15 (org. Jackson da Silva Lima). Aracaju, 2006. 
6. Vultos & Vozes de Sergipe – 05, Santo Souza CD, faixa 16 (org. Jackson da Silva Lima). Aracaju, 2006 
7. Vultos & Vozes de Sergipe – 05, Santo Souza. CD, faixa 17 (org. Jackson da Silva Lima). Aracaju, 2006. 
8. Informações Culturais. Aracaju, Gazeta de Sergipe, 26 de janeiro de 1964. 
9. Aracaju. Gazeta de Sergipe, 23 de fevereiro de 1964. 
10. Este Boletim Literário da Prefeitura não foi localizado. Consultando a escritora Gizelda Moraes, informa desconhecer a publicação. 
11. Pássaro de Pedra e Sono, Aberto Carvalho. Aracaju, Sergipe-Jornal, 11 de outubro de 1964. 
12. Esse artigo foi reproduzido no livro de Walmir Ayala (1933-1991), A Novíssima Poesia Brasileira, Rio de Janeiro, 1965. 
13. Pássaro de Pedro e Sono, Hunald Alencar. Aracaju, Sergipe-Jornal,08 de janeiro de 1965. 
14. Pássaro de Pedro e Sono, Santo Souza (contracapa, José Augusto Garcez). Aracaju, Livraria Regina/Edição Movimento Cultural de Sergipe, 1964. 
15. Santo Souza, o poeta órfico, GILFRANCISCO. Aracaju, Jornal da Cidade, 14 de setembro, 1999. 
16. Decreto-Lei é o Decreto com força de lei baixado pelo Poder Executivo, quando este acumula funções do Poder Legislativo. 
17. A última vez em que estive com o poeta em sua residência foi no dia 21 de setembro de 2012, com a equipe de reportagem da TV Alese, para a realização do vídeo Prazer em Conhecer. 
18. Estatutos, Lei orgânica ou regulamento de um Estado, uma associação. É um texto que regulamenta o funcionamento de uma associação por exemplo. 
19. Faz Escuro mais eu canto, aparece como publicidade de lançamento nas páginas da Revista Civilização Brasileira, Ano I, nº4, setembro, 1965. 
20. 11 de outubro, 2009, palavras ditas por Thiago de Mello para uma platéia de 200 estudantes do ensino médio, que participavam de um dos eventos do Festcine Amazônia, no Teatro Banzeiros – Porto Velho (RO). 
21. Literatura Afrodescendência no Brasil: antologia crítica, Vol. I, Eduardo de Assis Duarte (org.). Belo Horizonte, Editora UFMG, 2011. 
22. Literatura Afrodescendência no Brasil: antologia crítica, Vol. I, Eduardo de Assis Duarte (org.). Belo Horizonte, Editora UFMG, 2011.

Decreto Lei nº13 

Santo Souza 

Pescadores, camponeses, mineiros e tecelãs 
(condutores de cansaço, desespero e madrugadas); 
e operários – doadores de força, vida, agonia e suor para o cimento das soberbas construções, depois de muito lutar, depois de muito sofrer; 

Considerando que a terra, 
na magia de seus atos 
transforma em frutos e seiva 
o sangue vivo dos homens; 

Considerando que o vento, 
pastor das ondas do mar, 
e de todos os que lutam 
se quiserem respirar; 

Considerando que os rios 
(o mundo livre dos peixes) 
são de todos que têm sede 
nesta dura escravidão; 

Considerando que a noite 
(a semeadora de estrelas) 
é de todos que semeiam 
sementes e construções; 

Considerando, por fim, 
que a lei diz textualmente 
no artigo primeiro e único: 
“quem não trabalha não come”. 

Revestidos dos poderes 
que lhe confere a Lei 13, 
De maio de qualquer tempo, 
aprovada pelo povo 
em assembléia, 

Decretam: 

Art. 1º - Fica abolida a miséria 
nos lares todos do mundo 
e os frutos vindos da terra 
serão para os que têm fome. 

Art. 2º - Os ventos serão mantidos 
à altura das mãos humanas, 
como símbolos maduros 
da liberdade dos homens. 

Art. 3º - Os rios serão o espelho 
que há de sempre refletir 
as cores arco-irisadas 
da total felicidade 

Art. 4º - As noites serão o ventre 
na imensa fecundação 
da luz mansa do futuro, 
da redenção dos que sofrem. 

§ único - Para sossego geral 
hoje serão fuzilados 
miséria, fome, opressão. 
fabricadores de guerra, 
empresários da desordem, 
pilotos negros da morte 
destruindo gerações, 
ódio, trustes, latifúndio 
- tudo e todos que ora vivem 

Sugando as forças do mundo 
Bebendo o sangue do mundo

Nenhum comentário:

Postar um comentário